Esta coluna é destinada a entrevistas com especialistas, gestores, executivos e empresários de destaque.
Segue a entrevista de Fernando Perasso.
PME NEWS – O conceito da indústria 4.0 surgiu na Alemanha em 2011. Qual é sua análise neste período para as indústrias brasileiras?
Fernando S. Perasso – Nesse período a indústria Brasileira estava consolidando a Terceira Revolução Industrial, que já trazia muitas inovações para os processos produtivos, e ao mesmo tempo buscando entender as tendências apresentadas na Feira de Hannover, na Alemanha. A aplicação desses ciclos de mudanças nos processos produtivos leva um tempo de maturação das tecnologias, retorno dos investimentos, capacitação das equipes e os aprimoramentos das instituições de ensino. Neste mesmo período iniciaram-se estudos dos modelos de implementação dos conceitos das Indústria 4.0, baseado no índice de maturidade e flexibilidade de adoção dos conceitos e tecnologia.
PME NEWS – Quais tecnologias estão por trás da transformação industrial?
Fernando S. Perasso – Chamamos de tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0, dentre elas estão:
• Computação em nuvem com o conceito aaS (as a Service) – O software é oferecido em forma de serviço ou prestação de serviço executado em um servidor remoto. Não é necessário instalar o sistema no computador do cliente, basta acessá-lo pela internet.
• Integração de Sistemas (Vertical e Horizontal) – Reflete o modelo de conectividade dos equipamentos de uma indústria. O modelo de Integração Vertical respeita uma ordem hierárquica de informações, do chão-de-fábrica à camada do ERP.
• Big Data – Uma abordagem para atuar em dados com maior variedade e complexidade, que chegam em volumes crescentes e com velocidade cada vez maior, usados para resolver problemas de negócios, qualidade, e processos através de cruzamento de informações.
• Internet das coisas – Com interconexão entre objetos por meio de infraestrutura eletrônica, software, sensores e/ou atuadores, com capacidade de computação distribuída e organizados em redes, que passam a se comunicar e interagir entre si.
• Realidade Aumentada – Permite a interação de informações virtuais ao ambiente real por meio de câmeras, telas e GPS, podendo fazer simulações em 3D de processos para detectar falhas precocemente.
• Manufatura Aditiva ou impressão 3D – Consiste na criação de peças através de modelos eletrônico reproduzidos em diversos tipos de materiais plásticos e metais.
Existem muitas outras tecnologias habilitadoras para Indústria 4.0.
PME NEWS – Indústria 4.0 nas Pequenas Empresas é uma utopia ou já é uma realidade?
Fernando Perasso – Já é uma realidade, as tecnologias habilitadoras são bem acessíveis e de fácil implementação no processo produtivo. Computação em nuvem, impressão 3D e Realidade Aumentada já vemos em operação em muitos processos das empresas em larga escala. Com R$ 1.500,00 hoje você pode ter uma impressora 3d em casa para prototipagem e, dependendo do seu volume de dados, algumas plataformas aaS como Oracle, Amazon e Microsoft Azure oferecem serviços gratuitos que podem ser escalados quando necessários, acompanhando a evolução dos negócios.
PME NEWS – Que setores da indústria já utilizam o conceito 4.0?
Fernando Perasso – O Conceito de Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial é um movimento que engloba algumas tecnologias para automação e troca de dados, utilizando conceitos de Sistemas ciber-físicos, Internet das Coisas e Computação em Nuvem. O foco da Quarta Revolução Industrial é a melhoria da eficiência e produtividade dos processos baseado em coleta e cruzamento de informações de produção, vendas, qualidade e demais áreas. Todos os setores industriais podem e devem seguir essa realidade, caso contrário terão que contar com a sorte durante o processo de produção e desenvolvimento de novos produtos e serviços. Com velocidade do mercado, tecnologias acessíveis e a cada momento mais empresas oferecendo produtos através de startups, criação de novas PMES até mesmo as grandes indústrias, o mercado exigirá a adequação dos diversos setores para atender as demandas de mercado.
PME NEWS – Em quais etapas do processo este conceito impacta nas empresas?
Fernando Perasso – Se formos tomar como base a Pirâmide de processos industriais, teremos os 5 níveis:
• No Nível 1 (base da pirâmide) – Dispositivos de campo, instrumentos de medição e atuadores. Aqui inicia a jornada de transformação da indústria, onde os dados dos equipamentos são coletados de forma massiva através de dispositivos de IoT.
• No Nível 2 – Controle do processo – Já temos na Terceira Revolução Industrial os CLPs, controladores lógicos programáveis ligados às redes industriais, com o conceito de Industria 4.0 há um upgrade destes equipamentos microcontrolados para microprocessados, podendo fornecer e receber parâmetros de inteligência artificial para tomada de decisões e mudanças do processo de linha em tempo real.
• No Nível 3 – Supervisão e monitoramento – A coleta de dados já começa a ter um contexto para respostas rápidas da linha de produção, onde os supervisores de linha conseguem rapidamente visualizar tendências de falhas e melhorias do processo produtivo.
• No Nível 4 – Gerenciamento da planta industrial – Temos a visão do todo, com as interligações sistêmicas com data & Analitycs organizados em painéis de dados onde é possível ter uma visão e andamento de todas planta e processos produtivos.
• No Nível 5 – Administração de recursos e gestão financeira – Todos os processos tecnológicos empregados nas etapas anteriores começam a ser cruzados entre Tendências de mercado, custos operacionais, elaboração de modelos preditivos para força de venda.
Em resumo, esse conceito é empregado em todas as fases, sendo uma indústria de bens de consumo, farmacêutica ou fornecimento de serviços.
PME NEWS – Cite alguns exemplos desta transformação nas indústrias?
Fernando Perasso – Um exemplo que sempre gosto de citar é o da GE Motores em parceria com a AirBus. Este case utiliza praticamente todas as tecnologias habilitadoras, e mudou o conceito no mercado de venda de turbinas para aviões para horas de voos. As turbinas das aeronaves da Airbus deixaram de ser um ativo e passaram a ser um serviço contratado, no qual a GE provê o motor como um serviço e monitora em tempo real o consumo, desgastes, manutenções, e oferece todo o suporte baseado em dados coletados. Com base nesse monitoramento a GE montou estruturas de manutenção em que é possível imprimir peças de reposição específicas, sem a necessidade de manter um estoque, criando peças sob demanda.
PME NEWS – Cite exemplos desta transformação também nas pequenas indústrias brasileiras?
Fernando Perasso – Tem um exemplo muito bom, de 2018 e que mostra como esse processo da Quarta Revolução Industrial não é de hoje, é o caso da fábrica de doces Docile, em Vitória de Santo Antão (PE). Que adotou o uso de robôs inteligentes nos processos produtivos, foi uma aposta que se concretizou no aumento de produtividade. Eles começaram com processos simples e baratos, fazendo testes através de provas de conceito, evoluíram para alguns MVPs – Produto Mínimo Viável, onde introduziram em seus processos o que fazia sentido e descartaram o que não trazia retorno. A empresa não parou o investimento em inovação, lançou loja on-line para ter canal direto com consumidores. Tudo isso com apoio do sistema S (SENAI) que apoia as PMES com capacitação e consultoria.
Outros bons exemplos vêm da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) que selecionou nove empresas inovadoras e startups, por meio de edital em convênio com o Ministério da Economia, para capacitar 450 micro e pequenos negócios e treinar seus colaboradores na área da transformação digital. Quatro dessas empresas já estão aptas para prover essa capacitação:
Transforma Mais – que tem como foco a capacitação em transformação digital para micro e pequenas empresas, de maneira personalizada com sistema de gamificação com pontuações, chatbots e fórum de discussões.
Rota MPE – que tem como objetivo de garantir que os trabalhadores atuem de forma mais versátil no universo digital, dominando as boas práticas apresentadas no Guia de Boas Práticas de Gestão e de Boas Práticas Digitais da ABDI.
A startup MentorApp – que desenvolveu o stAir, um sistema que define um plano de estudos baseado em práticas para a Transformação Digital.
Maturity Game 4.0 – Um projeto criado na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) pelo professor Sandro Breval, em que os participantes realizam a capacitação onde aprendem as boas práticas digitais, de gestão e de produtividade, passam por um teste de conhecimento e, em seguida, entram no jogo. Ali, utilizam o diagnóstico, as operações, estratégia, modelo de negócios, logística e pessoas para avançar.
PME NEWS – Quais os principais desafios das PMEs se enquadrarem na Indústria 4.0?
Fernando Perasso – Ainda vejo como um desafio da Indústria 4.0 para as PMEs a capacitação profissional e a maturidade digital, pois as grandes indústrias, além de investirem nas estruturas e nos processos, também capacitam suas equipes. Para PMEs estes profissionais precisam chegar prontos do mercado (capacitados) para contribuir com a operação. Acompanhando a Associação das Indústrias, o sistema S e o próprio Governo Federal, já existem frentes trabalhando para diminuir este gap dos profissionais. Quanto à maturidade digital, ainda estamos falando de processo de integração entre sistemas, muitas plataformas, desenvolvidas in house ou compradas, não se comunicam e dificultam o cruzamento dos dados, sendo esta a grande proposta da Quarta Revolução industrial.