Esta coluna é destinada a entrevistas com especialistas, gestores, executivos e empresários de destaque.
Segue a entrevista da Advogada e Diretora da Advocacia VSA – Dra. Virginia Sutherland.
PME NEWS – Quais são os principais cuidados que uma empresa deve ter ao elaborar e negociar contratos para garantir a segurança jurídica?
Dra. Virginia Sutherland – São vários pontos que devem ser observados:
a) Definição precisa das partes: muitas vezes negligenciada, a qualificação das partes deve ser precisa e correta. (razão social, CNPJ, endereço, representante legal etc.). Certifique-se de que quem assina o contrato tem poderes para tanto (verificar procurações ou atos societários, se necessário).
b) Descrever com clareza e detalhe o que está sendo contratado: descrição completa do serviço ou do produto, quantidade, qualidade etc. Da mesma forma, quanto às obrigações, aos prazos, valores e às formas de pagamento. Quanto mais específico, menos chance de problemas no futuro.
c) Importante inserir e acompanhar prazos e condições de vigência, definindo critérios para renovação, prorrogação ou rescisão do contrato.
d) Prever multas, juros e outras sanções em caso de descumprimento das obrigações contratuais.
e) Cláusula de confidencialidade e sigilo de informações. Proteja informações estratégicas, comerciais e técnicas trocadas durante a execução do contrato.
f) Assinatura e identificação clara das partes e com duas testemunhas.
Por fim, a negociação contratual segura exige boa comunicação e planejamento, (existem técnicas para isso), sem tratar a outra parte contratante, como adversária, para construir uma negociação ganha-ganha.
PME NEWS – Na prática, como funciona o processo de identificação e mitigação de riscos contratuais? Pode dar um exemplo?
Dra. Virginia Sutherland – Análise jurídica especializada: é essencial que o contrato seja analisado com detalhes, por um advogado, antes da assinatura, garantindo maior segurança jurídica para as partes contratantes.
O advogado vai realizar um trabalho de:
- Verificação de cláusulas omissas, vagas ou mal redigidas;
- Identificação de pontos que podem gerar disputas, como prazos, penalidades, reajustes, rescisão, entre outros;
- Avaliação da compatibilidade com a legislação vigente.
A partir dessa avaliação, ele vai construir clausulas que minimizam riscos ou até os eliminem, o que pode incluir:
- Ajustes no texto contratual: alteração na redação, inclusão ou exclusão de cláusulas;
- Inclusão de embasamentos legais;
- Inclusão de obrigações e responsabilidades.
Exemplo simples:
Uma PME firma contrato com um fornecedor de software. O contrato prevê um valor mensal, mas não define claramente o nível de suporte técnico oferecido.
Risco identificado: o cliente pode ficar sem assistência em caso de falha no sistema, o que impacta suas operações.
Mitigação: incluir cláusula específica sobre o prazo de atendimento, canais disponíveis e penalidades por não cumprimento.
Então, por mais que hoje nós tenhamos uma infinidade de fontes de pesquisa na internet, os riscos contratuais não são sempre evidentes, principalmente para quem não tem o conhecimento técnico da matéria, e é nesse ponto que entra o olhar profissional do advogado para antever e minimizar esses riscos.
PME NEWS – Quais maiores desafios encontrados para este cenário?
Dra. Virginia Sutherland – São tantos…. mas destacando alguns, o primeiro eu diria que é a falta de entendimento da importância do contrato dentro da rotina empresarial. Muitas empresas ainda veem o contrato como algo dispensável, que pode ser acertado verbalmente ou que pode ser reduzido a um e-mail ou mensagem de whatsapp.
Além disso, usar contratos antigos, como referência, sem personalização, com clausulas desatualizadas, ou usar minutas genéricas copiadas da internet, da inteligência artificial, embora seja muito prático e rápido, eleva o risco de comprometer a segurança jurídica do contrato, podendo gerar ações judiciais que poderiam ter sido evitadas.
Como decorrência dessa falta de entendimento e do “imediatismo”, vamos dizer assim, você gera um outro desafio para esse cenário, que é falta de gestão contratual, ou seja, as empresas não criam ferramentas e processos de acompanhamento do contrato. É assinar o contrato e “colocar na gaveta”, salvar no computador e abandonar, sem controle sobre vigência, prazos críticos, obrigações periódicas que podem ter sido estabelecidas, ou gatilhos de rescisão, por exemplo, que precisam ser administrados.
Com isso, os desafios envolvem, basicamente, ajudar o cliente/empresário entender esse universo contratual, para desenvolver a mentalidade da prevenção. E essa prevenção pode ser adotada – é importante que se diga – sem engessar o negócio da empresa.
PME NEWS – O que é e como o método de CLM (Contract Lifecycle Management) transforma a gestão de contratos nas empresas e quais são seus benefícios mais imediatos?
Dra. Virginia Sutherland – A sigla CLM representa o ciclo de vida de um contrato como um método que organiza e automatiza todas as suas etapas — desde a ideia do objeto ou serviço a ser contratado, passando pela elaboração, negociação, assinatura, até a renovação ou rescisão do contrato.
E a transformação está exatamente nesse ponto: substituir processos manuais e descentralizados por uma gestão mais inteligente, integrada e segura.
Em razão disso, em curto e médio prazo, os benefícios são muitos:
- Mais agilidade: o fluxo contratual se torna mais ágil e rápido.
- Menos erros: reduz falhas por versões erradas ou cláusulas desatualizadas. Os contratos seguem um padrão validado pelo jurídico, o que diminui a possibilidade de erros.
- Mais segurança jurídica: acompanha prazos, obrigações e riscos automaticamente.
- Acesso facilitado ao histórico de cada contrato.
- Economia de tempo e recursos: Menos retrabalho e menor chance de litígios ou multas.
PME NEWS – Que mudanças recentes na legislação impactaram mais fortemente a elaboração e revisão de contratos empresariais?
Dra. Virginia Sutherland – De maneira geral, eu diria que a principal delas, com grande impacto, sem dúvida, foi a entrada em vigor da LGPD – a Lei Geral de Proteção de Dados.
Essa lei exige que qualquer contrato que envolva coleta, uso ou compartilhamento de dados pessoais esteja alinhado com as regras descritas nessa lei:
Todo dado pessoal coletado deve ter uma finalidade específica e apenas os dados suficientes para atender àquela finalidade devem ser coletados;
Em muitos casos, é preciso obter o consentimento expresso do titular dos dados para a coleta e o tratamento.
Tudo isso exige que a empresa tenha muito bem descrito nos seus contratos, todas as medidas de segurança que são adotadas contra acessos não autorizados, perdas, vazamentos ou alterações indevidas de dados.
Dessa forma, no dia a dia da empresa é muito importante que seja feito um plano de adequação à lei, principalmente considerando dados pessoais de consumidores e contratos de trabalho dos funcionários. Esses documentos precisam refletir o cuidado com os dados pessoais.
Até porque, o descumprimento da LGPD pode gerar multas pesadas: até 2% do faturamento da empresa, bloqueio de operações e outras penalidades, sem contar os danos à reputação da empresa, que não tem preço, os prejuízos à boa imagem construída com tanto esforço, e, principalmente, se considerarmos a rapidez com que as informações circulam hoje em dia para o bem e para o mal…
Ou seja, o impacto é real! E a empresa pode e deve se proteger de maneira estratégia, não só com relação aos seus contratos, mas também com relação a todos os seus procedimentos internos, nos quais existem fluxos de dados pessoais.