Esta coluna é destinada a entrevistas com especialistas, gestores, executivos e empresários de destaque.
Segue abaixo a entrevista de Marcelo Carpilovsky
PME NEWS – Quais são as causas e os tipos de conflitos mais comuns que ocorrem em um ambiente de trabalho?
Marcelo Carpilovsky – Os conflitos podem ter causas variadas e, em geral, ocorrem quando pensamos que alguém está nos impedindo de alcançar algo que desejamos ou quando nos sentimos ameaçados. Uma modalidade de conflito está relacionada a diferenças quanto à definição de objetivos, isto é, para onde vamos. Esse tipo é muito comum entre sócios, em conselhos de administração e na alta direção. Por exemplo, “Devemos expandir o nosso negócio para outros estados, internacionalizar, ou solidificá-lo em nossa região?”
Outro tipo de conflito está ligado ao estabelecimento de metas, prazos, qualidade esperada e procedimentos de trabalho. É muito presente nas relações entre líderes e liderados, e dentro de equipes. Uma equipe não chega ao alto desempenho enquanto não formar um acordo de como deve funcionar. Por vezes, os conflitos derivam de recursos vistos como limitados, passando-se a perceber o outro como rival: “Para o orçamento do meu departamento aumentar, o de outro departamento terá que diminuir”, “Se o outro gerente tiver mais um funcionário, a minha área terá que abrir mão de um colaborador”, “Eu preciso muito da sala de reunião para a próxima quinta-feira, mas ela já foi reservada por outro líder de projeto”.
O interessante é que os conflitos por razões objetivas são, em geral, os mais fáceis de serem resolvidos. É possível se construírem criativamente acordos em que todas as partes sintam-se atendidas. Entretanto, muitos conflitos ocorrem por razões relacionais, quando o estilo interpessoal de um faz com que o outro se sinta desconfortável, desrespeitado ou até mesmo intimidado.
PME NEWS – Quais os custos, para uma empresa, dos conflitos mal administrados?
Marcelo Carpilovsky – Os custos dos conflitos não adequadamente trabalhados podem ser elevados. Sócios ou diretores que se estranham deixam de tomar decisões estratégicas importantes. Conflitos entre funcionários de uma empresa acarretam falhas no serviço prestado e clientes insatisfeitos. Conflitos entre líderes e seus funcionários, conduzidos de forma inapropriada, levam a pouco engajamento, baixa produtividade, absenteísmo e alta rotatividade. Uma empresa, entre pequeno e médio porte, ao final de seu planejamento estratégico, precisou realizar um rápido treinamento com seus funcionários sobre resolução de conflitos. Havia tantos conflitos mal resolvidos entre áreas que, se essa dinâmica não fosse revista, o que foi planejado não seria, de fato, atingido.
É importante também ressaltar que, do ponto de vista individual, conflitos podem tornar-se um custo alto à saúde, quando se acentuam, passando a representar um peso psicológico intenso, tomando o pensamento e avançando para o corpo, na forma de doenças psicossomáticas. Ou seja, vivenciar um conflito emocionalmente desgastante não é apenas um “software” que roda em nossa mente: são também substâncias químicas despejadas em nossa corrente sanguínea.
PME NEWS – O conflito pode ser positivo?
Marcelo Carpilovsky – O conflito não é bom ou mau em si; ele é natural, faz parte da vida. Fundamental é a forma como o conflito é abordado. Muitos conflitos são necessários para o crescimento de uma empresa. Por exemplo, em questões ligadas à inovação e à mudança organizacional, tem força, na boa gestão, o pensamento de que “se não mudarmos, não sobreviveremos.” Esse preceito traz uma elevada demanda em relação à capacidade de administrar transições e formar acordos. Muitas vezes, a empresa vai bem, seu produto principal se destaca no mercado, porém a mudança ambiental exige reformulações.
Ouço frequentemente herdeiros de empresas familiares contrariados, por não conseguirem implantar, em suas empresas, aprendizados adquiridos na faculdade e na pós-graduação. Segundo eles, seus pais e tios são pouco abertos à inovação. Esses conflitos, se bem resolvidos, tornam as organizações mais fortes e competitivas. Para isso, devem-se criar soluções que considerem tanto a experiência dos executivos seniores e o desejo de inovação dos mais novos.
PME NEWS – O que o líder precisa levar em conta em uma situação de conflito?
Marcelo Carpilovsky – Todo conflito tem uma parte técnica e uma parte psicológica. A parte psicológica diz respeito à capacidade de estabelecer uma conexão com o outro, fazer com que ele se sinta realmente ouvido. Afinal, existe uma necessidade humana básica de ser compreendido.
Quanto à parte técnica, o líder deve buscar entender as necessidades que estão por trás do pedido da outra parte. Por exemplo, um funcionário pode solicitar férias para um período em que seu trabalho é imprescindível. Porém, o interesse do funcionário pode ser estar em casa durante uma reforma de seu apartamento. O trabalho à distância (teletrabalho) atenderia tanto à empresa como ao colaborador. Assim, uma relação de respeito e de confiança, acompanhada da busca de soluções criativas, pode gerar acordos que satisfaçam todas as partes e que fortaleçam o relacionamento entre si.
PME NEWS – Quais são os principais desafios para agir adequadamente em um conflito?
Marcelo Carpilovsky – Um dos primeiros desafios é saber o que realmente se quer. Você quer brigar, reforçar o seu ego, ou crescer e prosperar? Você quer ganhar apoio de um determinado gerente, ou mostrar que é mais inteligente do que ele em uma questão menor? Você quer desenvolver o seu funcionário em uma reunião de feedback ou quer se impor de forma autoritária? O que é realmente importante para você em determinada questão? Ganhar essa clareza é o primeiro desafio.
Um segundo desafio é o gerenciamento da própria emoção, que implica vencer as próprias reatividades. Em situações de conflito, tendemos a nos sentir ameaçados, o que nos leva a reações primitivas. Em casos extremos, ocorre o sequestro de amígdala, em que um núcleo arcaico de nosso cérebro toma o controle; a racionalidade vai embora, sendo substituída pelo comportamento intensamente emocional do tipo luta ou fuga.
Portanto, ao nos sentirmos atacados, revidamos, e isso leva a uma espiral do conflito. A base da teoria de conflitos é que eu não posso mudar o outro diretamente, mas sim a minha ação; e, mudando a minha ação, passo a receber respostas diferentes do outro. Uma estratégia para lidar com a própria emoção envolve ganhar tempo, como ir ao banheiro ou dar um telefonema, ao sentir que vai perder o controle. E, nesse breve intervalo, distanciar-se da emoção do momento e se reconectar com o seu objetivo maior. Pergunte-se: “Será que, agindo dessa maneira, vou chegar onde quero?”. Retome o controle emocional, restaure a racionalidade do neocórtex e só então volte a tratar a questão, de modo construtivo.
PME NEWS – Um exemplo prático: Três sócios estão vivenciando um forte conflito. O que seria recomendado?
Marcelo Carpilovsky – Todo conflito tem uma pauta objetiva e uma pauta subjetiva. A pauta objetiva diz respeito ao que está sendo negociado. A pauta subjetiva, aos ressentimentos, mal-entendidos e frustrações que se acumularam no histórico da relação. Esses três sócios precisam trabalhar primeiro a pauta subjetiva, limpar esse ranço relacional, abrindo então espaço para se dedicarem à divergência objetiva que demanda solução. Devem conversar sobre o que está em jogo e o quanto pode se perder se o conflito não for adequadamente tratado. É importante que esse diálogo ocorra de forma respeitosa, usando-se uma linguagem neutra, em que todos possam expressar as suas necessidades sem fazer acusações. Uma boa estratégia envolve resgatar momentos em que a sociedade funcionou bem; evitar buscar culpados, referindo-se a falhas recentes como aprendizados; e desenvolver um olhar conjunto voltado para o futuro.
Entretanto, no caso de não conseguirem juntos, por si só, resolverem a questão, devem buscar ajuda de profissionais do mercado, como um mediador e um coach de conflitos. O mediador é capacitado a facilitar a formação conjunta de um acordo com que todos possam conviver. O coach de conflitos trabalha com um indivíduo, separadamente, a sua habilidade de negociar e lidar adequadamente com as diferenças.