Esta coluna é destinada a entrevistas com especialistas, gestores, executivos e empresários de destaque.
Segue a entrevista de Rosana de Moraes.
PME NEWS – Muito se tem falado atualmente em humanização das marcas. A que esse movimento se refere exatamente?
Rosana de Moraes – Bem, as relações comerciais, profissionais e até pessoais têm se tornado cada vez mais virtuais. Mesmo antes da pandemia, a Internet encarregou-se de facilitar nossas vidas, mas essa conveniência de resolver tudo remotamente e de forma mais veloz e eficiente também tem seu preço. Ela traz consigo o distanciamento humano. Em tempos de pandemia, esse distanciamento acentuou-se devido às necessidades de ordem sanitária. E, num momento de maior fragilidade e carência de segurança e de afetos, a sensação de relacionar-se com pessoas tem se tornado cada vez mais reconfortante.
Consequentemente, as marcas mais humanizadas vêm levando vantagem – afinal, elas precisam conquistar não apenas os bolsos dos consumidores, mas, fundamentalmente, seus corações. Essa ligação afetiva torna-se essencial para um relacionamento de longo prazo com os clientes.
A humanização pode parecer uma contradição num mundo cada vez mais virtual, mas ela é justamente uma resposta, uma necessidade frente ao distanciamento físico de nosso tempo. É necessário que as marcas levem calor a seus públicos. Mais do que nunca!
PME NEWS – Você considera que a busca pela humanização é consequência direta do isolamento imposto pela pandemia?
Rosana de Moraes – Não. Na verdade, as pandemias, assim como outros grandes históricos traumáticos, como as guerras e catástrofes naturais, antecipam a adoção de tendências que vinham se desenhando antes delas. Elas não criam esses movimentos, mas os descortinam e aceleram sua assimilação. A humanização das marcas é uma delas. Já havia a demanda dos consumidores por relacionamentos mais pessoais com as marcas. O que aconteceu foi a emergência da necessidade das empresas se adequarem a essa demanda, no lugar de postergar medidas nesse sentido.
Com a pandemia, houve inicialmente a aceleração da oferta de canais de venda e de atendimento virtuais mais profissionalizados pelas empresas. Aquelas que adiavam os investimentos nesses canais tiveram que torná-los rapidamente o centro das suas estratégias de comunicação, marketing e vendas. Superado esse momento, a busca é por imprimir personalização e calor ao atendimento. Humanização é a palavra que resume essa tendência.
PME NEWS – De que forma você observa que as marcas vêm buscando essa aproximação mais humana?
Rosana de Moraes – O próprio crescimento do atendimento comercial via whatsapp e o aprimoramento dos diálogos trocados através dele entre empresa e consumidor são um exemplo. Marcas mais atentas à necessidade de humanização vêm buscando um discurso mais pessoal, menos automatizado.
Mas as estratégias vão bem além. A criação de personagens humanos que interagem com o público – tanto na publicidade, como em sites e redes sociais, além de aplicativos de comunicação – são excelentes exemplos. No momento em que a marca é representada por um avatar com características humanas – e bem simpáticos – o relacionamento ganha calor, ganha até afeto. A Magalu, do Magazine Luisa é um exemplo rico sobre o tema. A personagem representa a marca em anúncios, nas redes sociais e site e até no atendimento ao cliente via aplicativo. Vem se tornando a cara da marca – e uma cara humana, representando uma mulher normal, simpática e engraçada, além de elegante. Ela vem abrindo caminho para outras marcas no Brasil, como a Vivo, que passou recentemente a utilizar uma figura humana virtual em alguns anúncios.
PME NEWS – Além de personagens humanizados representando as marcas, você observa outras formas de humanização das marcas?
Rosana de Moraes – Sim, várias! Além da estratégia de eleger um ser humano criado por artistas para representar a marca, há exemplos de humanização através da criação de bonecos que representam o cliente. No mercado de moda de alto padrão, um bom exemplo é a Gucci, e não é de hoje. No final de 2018, logo antes da eclosão da pandemia, a marca firmou parceria com a plataforma de avatares Genies. O participante criava seu próprio “clone” com as características físicas que mais se assemelham às suas próprias e escolhia looks da marca para vesti-los. Depois, compartilhava-o com seus contatos, que poderiam comprar as peças com um click. Nesse caso, tem-se a compra da roupa através da visualização de seu uso num ser humano, ainda que virtual.
Aliás, a criação de avatares é uma faceta importante da humanização e não tem sido usada apenas pela Gucci. Na ação da Gucci, o resultado era um avatar com algumas características do cliente, porém, de forma mais lúdica, com aspecto mais infantil.
Mas o portal multimarcas de vestuário Yoox também oferece, desde novembro de 2019, a possibilidade de criação de avatares pelos clientes, porém com outra finalidade: o avatar criado reproduz o mais fielmente possível o aspecto físico do consumidor. Aqui, a finalidade é de fato experimentar os modelos de roupas e conferir o mais fielmente possível como eles ficarão vestidos no cliente. Uma ideia menos lúdica e mais prática, nesse caso.
PME NEWS – Esses dois exemplos mostram casos em que a humanização foi utilizada para a compra com total autonomia pelo cliente. Há casos de humanização no atendimento virtual, mas com a participação-intermediação de seres humanos de verdade?
Rosana de Moraes – Sim, e bastante interessantes. A própria Gucci tem uma iniciativa inovadora nesse sentido, igualmente pré-COVID-19. Em 2019, ela lançou o Gucci 9. Trata-se de um centro de atendimento que foge aos padrões dos call centers usuais: o consultor de vendas interage com clientes em tempo real via smartphone, oferece opções de mercadorias, responde a perguntas. Pode apresentar uma nova coleção e detalhes de um produto, como o interior de uma bolsa, por exemplo. E vai além: o centro dispõe de showrooms decorados como as lojas da marca. Assim, o atendimento, embora remoto, acontece de forma ultrapessoal – humana! – e na atmosfera que o cliente encontraria nas suas butiques físicas.
Aqui no Brasil, a Dengo Chocolates experimentou uma estratégia semelhante na própria loja física, no Shopping Eldorado, São Paulo, no meio de 2020, quando o comércio físico estava com portas totalmente fechadas. A ação foi chamada de “Loja ao Vivo”. Funcionava assim: um funcionário da loja atendia a pedidos em tempo real, interagindo com o cliente através de um chat e uma câmera. Assim, podia demonstrar os produtos ao comprador, explicar detalhes de forma mais pessoal, como faria na loja.
PME NEWS – Você mencionou que há casos de humanização do relacionamento com o cliente através da utilização dos próprios diretores criativos de algumas marcas. Pode citar exemplos?
Rosana de Moraes – Claro! Um bom exemplo envolve também o advento dos avatares. A marca francesa Balmain, de vestuário de alto padrão, inaugurou recentemente showroom virtual que reproduz digitalmente sua maison parisiense, onde Pierre Balmain fundou a marca de moda em 1945. É um espaço virtual bastante inovador, com ambientes diferentes que reproduzem espaços físicos. Mas o destaque, na esteira da humanização do atendimento, é o avatar do próprio diretor artístico da marca, Olivier Rousteing, que recebe os visitantes e os convida a conhecer as coleções.
No mesmo segmento, a Dolce Gabbana utilizou a humanização na sua comunicação e até produtos: criou personagens que representam os dois estilistas da marca (Domenico Dolce e Stephano Gabbana). Os personagens, estilizados, passaram a ornamentar produtos como carteiras e bolsas, enfeitar vitrines e foram criadas também fantasias vestidas por seres humanos, no melhor estilo Disney. Assim, os bonecos puderam interagir com os mais diversos públicos em espaços urbanos públicos em grandes capitais mundo a fora – como Tokyo, Roma, Madri… Tiravam até selfies com os passantes. E isso já em 2017!
PME NEWS – Na esteira da adoção cada vez maior de canais de compras virtuais – sejam via Internet, telefone, aplicativos – você enxerga o desaparecimento da loja física?
Rosana de Moraes – De forma alguma! Minha aposta é que, para o futuro, mesmo com toda a sofisticação pela qual os canais digitais vêm passando e pela adesão histórica às compras virtuais, que a pandemia contribuiu para antecipar, as lojas físicas não desaparecerão. Mas enxergo que elas assumirão um novo papel nas relações de consumo. Numa realidade em que não será (mesmo) necessário se deslocar para a compra, as lojas físicas representarão espaços de reforço às estratégias de vendas e branding e à solidificação de vínculos afetivos com o cliente. Lugares de acolhimento e, principalmente, ambientes para a oferta de experiências sensoriais, que devem surpreender continuamente. Isso envolve a ênfase em conquistar o cliente através da visão, audição, olfato, tato e paladar, já que as lojas virtuais ainda ficam em desvantagem quando se trata de criar vínculos com o cliente através do impacto positivo a alguns de nossos sentidos.
No novo consumo, os espaços físicos e virtuais das marcas mostram-se cada vez mais complementares e são delimitados de forma ainda mais tênue. Em ambos, porém, a humanização é a palavra da vez.