Esta coluna é destinada a entrevistas com especialistas, gestores, executivos e empresários de destaque.
Segue a entrevista de Sandra Portugal.
PME NEWS – O que é considerado etarismo no mundo profissional?
Sandra Portugal – Por definição o etarismo, ageísmo ou idadismo são traduções para o termo em inglês “ageism”, criado pelo médico psiquiatra Robert Neil Butler para definir o preconceito baseado na idade. Ou seja, trata-se da discriminação etária contra pessoas ou grupos.
Na minha opinião é a desvalorização dos profissionais preparados, com bagagem diferenciada, com energia produtiva, geradores de resultado!
É a generalização do entendimento pelos RHs, pela cultura empresarial e pelos valores pessoais de muitos, de que um profissional 50+ (às vezes até 45+) é idoso, sem atualização tecnológica e profissional, sem garra e dedicação em prol dos resultados das empresas.
E essa exclusão dá-se tanto pelas empresas empregadoras, quando de suas escolhas de investimentos em capacitação, de valorização em promoções, oportunidades de “job rotation” e aumentos de salário, e nos processos demissionais, mas também pelas empresas em geral em seus processos admissionais, de recrutamento e seleção, que eliminam os 50+ em suas regras de candidatura, ou discriminam na evolução nos processos de novas vagas.
PME NEWS – O etarismo é mais forte nas pessoas mais jovens ou nas mais experientes?
Sandra Portugal – O etarismo pode atingir qualquer faixa etária, entretanto as pessoas com mais de 50 anos são as mais afetadas.
Etarismo existe também para os mais jovens, mas é menos impactante, pois a geração “millenium” e a era das “start-ups”, a juniorização das empresas, têm colocado em holofote a inegável energia, criatividade e ousadia inovadora dos Profissionais entre 20 e 35 anos.
Idade não significa acomodação, desmotivação e falta de garra.
Rotular um profissional acima de 45 anos como velho, sem energia, incapaz de se transformar e mudar, ter ideias criativas e inovadoras é uma discriminação enorme.
Existem profissionais desmotivados, incompetentes, sem saúde emocional e sem gana de viver de todas as idades.
Em nenhum momento eu incentivo a preservação dos idosos que não agregam valor com suas experiências e seu trabalho, que se tornam peso para a organização.
Mas critério de demissão, critério de participação em processos de aceleração de carreira, de participar de eventos e cursos das empresas, de não elegíveis às candidaturas de promoção ou de admissão em cargos?
Há de se pensar no futuro das organizações, nas políticas públicas e regras de aposentadoria, na curva de carreira e especialmente na longevidade da geração “millenium”. Espero que eles cheguem saudáveis e com muita energia aos 40-50-60 anos!
Como eles manterão seus empregos, seus cargos, seu padrão de vida?
PME NEWS – Como incluir os profissionais mais experientes, ditos “idosos”, no dia-a-dia das organizações? Quais as vantagens de um profissional 50+?
Sandra Portugal – As organizações precisam entender que é necessário um ponto de equilíbrio entre a juniorização e a senioridade nas empresas.
A senioridade é definida pelo tempo de atuação no mercado de trabalho, maturidade profissional, grau de responsabilidade das tarefas que desempenha e aspectos como formação e conhecimento.
A energia e sangue jovem fazem falta, mas os cabelos brancos, a vivência e os calos nas mãos são de grande relevância!
Quais as vantagens de um profissional 50+?
– Senioridade para tomada de decisões;
– Paciência e capacidade de visão de causa e de consequência;
– Sabedoria para lidar com crises;
– Habilidade de gestão de conflito;
– Serenidade e autocontrole;
– Respeito e ética;
– Gestão de tempo;
– Comprometimento com resultados, contribuindo muito com a sustentabilidade da empresa.
E para as empresas a grande vantagem é entender o que é o balanço perfeito, entre vantagens e desvantagens do “senior” platinado e dos jovens com sede de ascensão.
Um profissional Júnior precisa desenvolver habilidades e “skills” comportamentais e de liderança.
A retenção dos jovens profissionais passou a ser um grande desafio para os RHs e empresas.
Eles querem o momentâneo, sem se aprofundar nos contextos.
Na grande maioria dos casos falta humildade em ouvir, dar a voz, escutar, especialmente se forem opiniões dos mais velhos.
A carreira dos jovens é uma trajetória em Z, mudando de empresa em empresa, de 2 em 2 anos, por promoções e aumentos salariais, com muita ambição e sem fidelização ou compromisso com as empresas.
Como manter a sustentabilidade de um negócio com alta rotatividade e instabilidade na gestão?
Defendi a intergeracionalidade na matéria de O Globo em 2021 sobre os perennials. Considero a integração de gerações positiva e produtiva, pois o ganha-ganha é certo!
PME NEWS – Qual o impacto da diversidade etária nos negócios?
Sandra Portugal – Já falamos que a oxigenação da organização é desejável, em todos os aspectos de diversidade e de inclusão.
A bandeira de inclusão está em pauta das organizações.
A conscientização e a criação de uma cultura plural, em especial a diversidade etária, trazem impactos positivos às empresas, aos negócios, às famílias, à sociedade, à economia, à saúde pública e aos Países.
Mas muito pouco está se fazendo para combater o etarismo, e é consenso que existe de forma velada nas organizações um bloqueio para pessoas de 50+.
E é muito forte a onda do “Young Talent” para reduzir a média etária das empresas.
No curto prazo os custos são reduzidos, pois em tese os seniors são mais caros para as empresas.
Mas a ausência da solidez da experiência causa impacto nas mudanças empresariais, nas tomadas de decisão e nos resultados.
Há descompasso da faixa etária dos profissionais que desenham e entregam os produtos das empresas e a faixa etária dos consumidores.
Nas start-ups já há gap de bagagem de solidez de experiências práticas, de bases em processos e procedimentos, modelos de gestão e de governança, perfis de gestão de pessoas que equilibrem inovação, tecnologia e o humano.
Para refletirmos:
Qual é a média etária da sua empresa?
Qual é o % de 50+ nos quadros da sua empresa? E na sua equipe?
Os 50+ são incluídos em promoções, em capacitação e aumentos de salário?
Das demissões ocorridas quantos foram de 50+?
As vagas permitem candidaturas de 50+?
E você, contrataria um 50+?
PME NEWS – Cite exemplos de programas adotados pelas empresas para a inclusão de pessoas com idades acima de 50 anos? E que medidas vêm sendo tomadas pelas empresas para combater o preconceito etário?
Sandra Portugal – A Heineken, a Credicard, a EY, a Accenture, dentre outras são exemplos de empresas que estão investindo em programas de etarismo.
Um dos bons exemplos é o procedimento de recrutamento às cegas onde os processos admissionais, de trainees e de estágio, são feitos sem informar nome, gênero, raça, cor, idade, que faculdade estudou, que bairro mora, por exemplo. Isso é inclusão!
Mas os contra-exemplos ainda são mais expressivos.
Indústrias demitindo engenheiros experientes, deixando gaps que nenhum robô suprirá.
Universidades demitindo professores que são ícones de sabedoria.
Empresas de óleo e gás que ainda possuem política de não contratar 50+.
Empresa do segmento bancário, “inovadora”, saindo na mídia por discriminação ao colaborador senior demais!
Empresas incluindo Diretoria de Diversidade e Inclusão apartada do RH, o que por si só já explicita que a empresa não é diversa e nem inclusa.
Nós, os profissionais de 50+, chegamos a um cenário em que somos muito jovens para a aposentadoria e muito velhos para o mercado de trabalho.
E as vagas ofertadas são muito básicas, não aproveitam o “know-how” do profissional.
O mercado se restringe ao empreendedorismo, à consultoria e às posições nos conselhos de empresas.
Para refletirmos:
Quantos profissionais 50+ desempregados vocês conhecem?
Quantos estão desempregados há mais de 1 ano?
Qual é a taxa de entrevistas conseguidas para os 50+?
E como esses profissionais se posicionam para o retorno ao mercado de trabalho, para ousar seguir em frente com as candidaturas, ter garra para competir nos processos e ser resiliente nas eliminações mantendo sua crença no futuro e autoestima?
PME NEWS – Se a idade não define competência, qual é a “idade” certa para um cargo?
Sandra Portugal – Segundo o Valor Econômico a idade média dos CEOs das 70 empresas que compõem o Ibovespa é de 53,6 anos.
Só duas companhias têm à frente executivos com menos de 40 anos: MRV e Cyrela.
Em ambos os casos, os presidentes-executivos são herdeiros dos fundadores.
Na área política brasileira, a idade dos chefes dos Estados é de 52 anos, sendo que o governador mais idoso tem 69 anos.
A média histórica de presidentes da república na data da posse é de 58 anos.
Na atual disputa presidencial temos Bolsonaro com 66 anos, Lula com 75 anos, Ciro com 64 anos e Simone Tebet com 52 anos, ou seja , todos 50+.
E o candidato mais velho para deputado federal nessas eleições tem 95 anos.
No empreendedorismo, inúmeros sãos os casos de sucessos após os 50 anos: Nestlé, Coca-Cola, IBM, McDonalds, Starbucks, KFC.
E temos exemplos inspiradores de empresários brasileiros no comando de seus negócios e atuando como conselheiros como Jorge Lemann, Abilio Diniz, Seabra da Natura, Luiza Trajano.
PME NEWS – A longevidade é fato, como cuidar da longevidade das carreiras e da empregabilidade dos profissionais 50+?
Sandra Portugal – É necessário considerar que a população brasileira está envelhecendo.
A Maturi e a EY desenvolveram um trabalho sobre etarismo, ressaltando que:
“Enquanto a população do Brasil envelhece e as regras para a aposentadoria ficam cada vez mais complexas…mais de 700 mil profissionais 50+ perderam seus empregos durante a pandemia.”
Na pandemia, foram quase 700 mil mortos, conforme Márcia Monteiro em matéria Linkedin. O IPEA prevê o encolhimento acelerado da população brasileira, estimada para 2030.
“Essa população menor estará mais velha: um em cada quatro brasileiros será 60+ em 2040 sendo que 57% da força ativa terão 45+.
A gigante parcela de mão de obra jovem que marcou o Brasil durante as últimas décadas vai diminuir em todo o país.
O mercado vai precisar se adequar à nova realidade”.
Então a mensagem final é:
– Resiliência!
– Invista em você, cuide da saúde física e mental!
– Busque a evolução contínua!
– Reinvente-se!
Em resumo a dura realidade é que há muito preconceito etário.
Falta visão e consciência de que esse cenário é real e acontece com todos!
Falta crença de que a idade não nos define!
A “velhice” está na mente das pessoas
Quem envelhece é porque não morreu!
E o etarismo permeia todos os demais preconceitos.