Esta coluna é destinada a entrevistas com especialistas, gestores, executivos e empresários de destaque.
Segue a entrevista de Antonio Carlos Christiano.
PME NEWS – Como funciona e em que situações aplica-se a Recuperação Judicial?
Antonio Carlos Christiano – A Recuperação Judicial, criada pela Lei n° 11.101/2005, tem por objetivo auxiliar a reorganização e soerguimento de empresas que estejam atravessando situação de grave crise, concedendo-lhes possibilidades de negociar tanto a redução do seu endividamento como também o alongamento dos seus pagamentos, inclusive com carência. Deferido o pedido pelo juízo competente, todas as ações judiciais movidas contra a empresa, exceto as dos credores considerados pela legislação como extraconcursais, ficarão suspensas pelo prazo de 180 dias, prorrogáveis, se o magistrado entender necessário. Para segurança dos credores, o magistrado nomeará um administrador judicial que acompanhará a empresa por dois anos, enviando relatórios mensais aos credores e ao juiz responsável pelo processo, informando a situação da empresa e o devido cumprimento do plano de recuperação judicial, caso este venha a ser aprovado pela assembleia de credores. Do deferimento do pedido de recuperação judicial também inicia-se o prazo improrrogável de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial. O referido plano tem como finalidade expor aos credores os meios pelos quais se pretende reestruturar e reorganizar a empresa, bem como a forma pela qual serão quitadas as dívidas sujeitas ao processo de recuperação.
Todos os custos com a recuperação judicial, inclusive os relacionados ao Administrador Judicial, são de exclusiva responsabilidade da empresa recuperanda.
PME NEWS – Quais as recomendações e riscos que o empresário deve ter ao entrar com o pedido de Recuperação Judicial?
Antonio Carlos Christiano – Tendo em vista a complexidade do processo recuperatório e o fato de que o plano estará sujeito à aprovação ou não dos credores sujeitos à recuperação judicial, recomenda-se que a sua elaboração seja realizada por profissionais experientes e capazes de entender a operação da companhia e o cenário de crise, de maneira a construir um processo de recuperação crível, realista, factível e que atinja os objetivos de compreensão e confiança dos credores, os quais serão responsáveis pela aprovação ou pela rejeição da proposta, o que, neste último caso, pode resultar na convolação em falência da empresa.
Não é suficiente apenas escrever um plano de recuperação judicial, ou extrajudicial. O projeto tem que demonstrar aos credores as boas intenções da empresa e que de fato ela tem chances reais de se recuperar, se fortalecer, e voltar a comprar e vender a estes mesmos credores, fazendo uso das mesmas instituições financeiras parceiras.
Se os credores não perceberam no plano de recuperação proposto chances reais de soerguimento, se as tratativas não forem negociadas adequadamente, as possibilidades de aprovação ficam significativamente reduzidas e isto tem que ser evitado pela companhia.
PME NEWS – Qual a importância de se preparar antecipadamente uma empresa em crise para um processo de Recuperação Judicial?
Antonio Carlos Christiano – Como já mencionado, esta é a questão crucial de todo o processo de recuperação judicial, instrumento legítimo, muito útil, mas que precisa ser muito bem construído para aumentar suas taxas de sucesso. A Rio Anhumas entende que a empresa em busca de recuperação precisa antes fazer a sua parte, apurar com atenção o que não está funcionando corretamente em sua operação, conhecer as razões de suas perdas e prejuízos, deixar de atribuir a fatores externos toda a razão de seus problemas, abandonar velhas práticas e certos tabus de gestão, e regularizar o quanto possível o seu fluxo de caixa, de forma a, antecipadamente, implementar correções em sua forma de atuação junto a clientes, fornecedores e instituições financeiras de seu relacionamento. Toda a comprovação de mudanças, de trato respeitoso e transparente para com seus parceiros operacionais e clientes, conduzirá a chances maiores de aceitação das negociações necessárias, de construção de um ambiente mais harmônico e cooperativo para a implementação de melhorias que permitirão culminar com a aprovação do plano de recuperação da companhia que será apresentado a posteriori.
PME NEWS – E quanto aos chamados credores extraconcursais?
Antonio Carlos Christiano – Outra questão de extrema importância, e que exige muito preparo antecipado da empresa recuperanda, está relacionada aos débitos não incluídos pela Lei de Recuperação Judicial, os chamados créditos extraconcursais. Como esses débitos não podem ser incluídos no plano de recuperação judicial e não ficam suspensos de cobrança pelo prazo legal, eles podem ser imediatamente executados pelos órgãos fiscais e pelos credores detentores de garantias reais, o que poderia trazer consequências irreparáveis para o processo de recuperação. Por isso, é fundamental que a companhia implemente negociações prévias com estes credores com o propósito de entabular acordos que evitem imposições de óbices ao processo de recuperação judicial desejado, bem como elabore um planejamento tributário capaz de quitar os débitos fiscais através de parcelamentos ou outros mecanismos legais que possam ser apresentados ao longo do processo.
PME NEWS – A falência pode ser decretada antes da Recuperação Judicial?
Antonio Carlos Christiano – A Recuperação Judicial não é um pré-requisito para a decretação da falência. A legislação prevê que o processo de falência pode iniciar de duas formas; pelo pedido de autofalência feito pelo próprio empresário, ou através do pedido de falência apresentado por terceiros. Neste último caso, não havendo manifestação contrária, a falência terá prosseguimento. Isso quer dizer, em breve síntese, que, decretada a falência, o magistrado afastará a gestão e nomeará para tais funções um Administrador Judicial, que fará o levantamento de todo o ativo e passivo da empresa, assim como os direitos de seus credores, os quais receberão os valores que lhes são devidos, na proporção e se houver saldo após a alienação do ativos disponíveis, conforme Lei n° 11.101/2005.
A companhia que recebe contra si um pedido de falência pode utilizar-se da recuperação judicial para suspender os trâmites falimentares. Deferido o pedido de recuperação judicial e aprovado o plano pelos credores, a falência somente será decretada se o juiz receber a informação que a empresa não está obedecendo ao quanto pactuado.
Não se pode negar que, através deste instrumento, a empresa ganha um fôlego extra para tentar “escapar” da falência, e isso pode até gerar resultados positivos, mas um procedimento de recuperação judicial, ou até mesmo extrajudicial, planejado, negociado e construído adequadamente é o mais recomendado.
PME NEWS – Qual a vantagem da empresa requerer a Recuperação Judicial?
Antonio Carlos Christiano – Umas das vantagens de ter o pedido de recuperação judicial deferido é a suspensão por 180 dias, prorrogáveis a critério do juiz, de parte das ações e execuções a que está sujeita a empresa. Embora o artigo 5°, parágrafo 4°, da Lei n° 11.101/2005, não permita esta prorrogação, as decisões proferidas pelos Tribunais se firmaram no sentido de que a prorrogação deve ser deferida, caso a empresa justifique o seu pedido e o juiz da recuperação entenda que a prorrogação é necessária para a manutenção da empresa. A suspensão das cobranças concedem ainda um fôlego maior para que a empresa em crise reorganize seu caixa, negocie carência, deságio e alongamentos de pagamento de seus débitos. Outra vantagem reside no fato de que, sendo o plano de Recuperação Judicial aprovado pelos credores, a empresa não mais ficará sujeita a ações individuais de cobranças, que poderiam prejudicar ou até mesmo inviabilizar o processo de recuperação.
PME NEWS – Qual o impacto da Recuperação Judicial de grandes empresas, a exemplo da Odebrecht, na economia?
Antonio Carlos Christiano – O impacto é muito significativo, mesmo que o pedido de Recuperação Judicial já venha sendo esperado pelo mercado há um bom tempo, principalmente porque, como explicado, durante cerca de no mínimo 06 meses a empresa se verá desobrigada de pagar as parcelas vencidas de suas dívidas inclusas no processo de recuperação judicial.
Quanto maior for a empresa e suas dívidas, maior o seu impacto, notadamente em uma economia com crescimento minúsculo, onde um número significativo de fornecedores verá o seu fluxo de caixa prejudicado, sem poder encontrar novos clientes.
Contudo, é fundamental pontuar que a falência de uma grande empresa teria impactos muito mais desastrosos para a economia, inclusive para os empregados e suas famílias, e foi esta uma das grandes preocupações do legislador.
Embora a legislação ainda careça de alguns aprimoramentos, ela já é uma evolução significativa e muito benéfica para a economia nacional quando comparada à antiga lei de falências e concordatas.
PME NEWS – A Recuperação Judicial pode ser aplicada para empresas de qualquer porte, ou se restringe às grandes empresas?
Antonio Carlos Christiano – A Recuperação Judicial pode ser aplicada a companhias de qualquer porte, inclusive às microempresas e às empresas de pequeno porte, como se verifica dos artigos 70 a 72, da Lei n° 11.101/2005. Por se tratarem de empresas classificadas em um regime diferenciado das demais, houve a preocupação do legislador em estabelecer um regime que melhor se adequasse às necessidades das ME e EPP e que permitisse seu efetivo soerguimento. No entanto, é importante lembrar que, apesar da lei prever este regime especial para as ME e EPP, o regime é opcional e deve ser requerido logo no início do processo de recuperação judicial.
Como as diferenças entre os regimes referem-se a prazos de pagamento, à carência e a despesas com o processo de recuperação, cabe a cada empresa realizar uma análise prévia, através de profissional qualificado para que, em função das particularidades de cada empresa, possa escolher o regime que mais se adeque e traga mais vantagens para a companhia.