Esta coluna é destinada a entrevistas com especialistas, gestores, executivos e empresários de destaque.
Segue a entrevista de Rosana de Moraes.
PME NEWS – A reciclagem é um bom negócio?
Rosana de Moraes – A reciclagem tem se revelado um bom negócio para diversos segmentos e vem se tornando uma exigência em tempos de maior conscientização a respeito do impacto que as empresas e todos nós exercemos sobre o ambiente.
PME NEWS – Em que áreas o upcycling se destaca além da moda?
Rosana de Moraes – Além da moda, merece destaque o design de objetos de decoração e mobiliário, além de embalagens.
PME NEWS – Quais são os benefícios e as dificuldades encontradas pelo setor?
Rosana de Moraes – Podemos dizer que o upcycling vai além da reciclagem em alguns aspectos. Embora a reciclagem reduza a quantidade de resíduos descartados na natureza e o consumo de novas matérias-primas, sua prática ainda envolve consumo de energia e de água e alguma poluição, embora em menor medida que a produção de itens totalmente novos. No upcycling, diferentemente, convertem-se produtos e materiais indesejados em novos e em itens de maior qualidade e valor que seus antecessores. Nesse caso, não há destruição ou intervenções químicas do produto anterior, ele é resignificado, ganhando um prolongamento de seu ciclo de vida, o que reduz ainda mais drasticamente o impacto ambiental.
As dificuldades encontradas estão relacionadas especialmente à captação seletiva dos materiais a serem resignificados. Mas acredito que, à medida que a conscientização e o apoio das instituições governamentais e das empresas forem aumentando, esse problema será minimizado.
PME NEWS – Como o upcycling desafia a inovação da Moda?
Rosana de Moraes – Na verdade, ele abre novas oportunidades para a moda, pois os consumidores de forma geral e especialmente os millennials têm manifestado sua preferência por marcas mais responsáveis de forma abrangente. E tornam-se também crescentemente ávidos por inovações. O upcycling pode atender a esses dois anseios e as marcas que estão acordando mais cedo para essa realidade levam vantagem sobre aquelas que demoram mais a atuar nesse sentido.
PME NEWS – Cite alguns exemplos de marcas brasileiras e estrangeiras que aderiram ao upcycling.
Rosana de Moraes – São exemplos as linhas de vestuário e acessórios que utilizam sacos de cimento e outros tecidos já utilizados, as bijuterias nascidas de cápsulas de café vazias, os móveis feitos com peças de bicicleta ou tambores de metal e uma infinidade de criações que empregam “lixos” cuja decomposição na natureza levaria, no mínimo, décadas.
E o da francesa Hermès, que desenvolve, há anos, a linha Petit H, utilizando retalhos de pele e couro resultantes da produção de suas famosas bolsas. Pelas mãos de artistas plásticos, nascem obras de tiragem unitária, como esculturas, luminárias, carteiras, chaveiros. Também vale lembrar o casaco elaborado com tapete usado, que a estilista Sarah Burton apresentou como parte da coleção Primavera 2018 da grife Alexander McQueen.
Pessoalmente, aprecio muito o trabalho de uma empresa canadense que cria objetos de decoração a partir de shapes (as pranchas) de madeira de skates descartados. O fruto desse processo são objetos belíssimos e únicos de decoração e mobiliário, o que lhes confere status de obras de arte. Chama-se Adrian Martinus.
PME NEWS – Como quebrar o ceticismo do mercado, acostumado a usar produtos não reciclados?
Rosana de Moraes – A resistência que ainda há entre alguns consumidores aos itens originados de reciclagem ou de upcycling é maior por parte dos consumidores mais maduros e, mesmo assim, tem diminuído em face da maior conscientização do impacto que causamos através do consumo. Entre os mais jovens, que representarão o grupo de consumidores em breve, tanto a reciclagem como o upcycling, assim como a compra de objetos usados, o aluguel e o compartilhamento de bens são aceitos com naturalidade e até aplaudidos, como parte da busca pelo maior alinhamento do consumo com a responsabilidade.
PME NEWS – Que dicas você dá ao empreendedor que está iniciando nesse mercado?
Rosana de Moraes – Em primeiro lugar, buscar opções de fato inovadoras. Como a ideia é utilizar produtos já existentes para criar itens ainda mais especiais, quanto mais originais forem as novas criações, melhor. Para isso, a observação com olhos bem abertos e livres de preconceitos é determinante. E sempre haverá possibilidades ainda não exploradas de reaproveitamento de materiais e produtos cujo destino seria o descarte na natureza.
Outro ponto importante é explorar justamente o caráter exclusivo dos produtos que são fruto de upcycling. Como os materiais reaproveitados tendem a ser diferentes entre si, essas diferenças podem e devem ser maximizadas na criação de itens únicos, que o consumidor perceba como tal e se orgulhe disso. É aí que reside um dos grandes charmes do upcycling.