Quando algo não é justo ou não atende aos nossos interesses imediatos, é de se esperar que uma mudança seja considerada, frequentemente sem entender as verdadeiras consequências da nova realidade, adotamos as alterações. Isso é verdade desde situações presentes em qualquer família até casos mais complexos, como quando a sociedade clama por mudanças.
Com o intuito de ilustrar a complexidade da criação de uma reforma tributária, será apresentado como é difícil, até mesmo dentro da própria casa, aceitar mudanças. Não se trata de discutir a reforma A ou B, mas de demonstrar a complexidade de sua implantação e como, em qualquer mudança, os resultados vão muito além dos previsíveis, até porque as mudanças são contínuas.
Inicialmente, tomaremos como base um exemplo bem simples: imagine uma casa onde os filhos estão simplesmente ficando mais velhos. Logo, um quarto que antes atendia a vários irmãos passa, com o tempo, a não atender mais. Existem famílias que simplesmente mudam de apartamento; outras reestruturam seus cômodos ou apenas os móveis. Quando as alterações ocorrem de forma gradual, as mudanças mal são percebidas e os impactos costumam não gerar mal-estar. Assim, o momento da troca de um berço por uma cama é planejado e esperado. Já a ampliação de um espaço por parte de algum filho pode gerar conflitos numa casa que antes atendia perfeitamente.
Esses conflitos começam a surgir, às vezes, simplesmente porque um filho precisa de um lugar silencioso para estudar; ou porque alguém precisa ter mais livros ou materiais próprios; ou ainda porque uma filha quer ter mais privacidade ao entrar na adolescência. Esses conflitos tendem a aumentar até que uma mudança, seja de atitude, seja de alocação de espaço, tenha que ser implantada.
Às vezes, decisões bem simples, como a definição de horários para uso do banheiro, a identificação de gavetas ou a colocação de uma cortina no quarto, resolvem o problema. Mas é comum surgirem soluções como a reorganização dos cômodos da casa ou até mesmo a mudança para outro imóvel. Mesmo uma reorganização da casa, que parece menos radical do que uma mudança, traz consigo uma nova realidade. Logo, as consequências devem ser bem pensadas.
Numa casa com três ou mais filhos no mesmo quarto, ao chegar à adolescência, o filho mais velho tende a pleitear um espaço separado. Ainda que exista esse espaço, será que ele também estará disponível quando o segundo filho atingir essa mesma fase? Até a substituição de uma geladeira ou de um ar-condicionado causa tumulto durante sua implantação, quanto mais alterações na alocação de pessoas. Há situações ainda mais complexas, em que famílias trocam de casa e o problema persiste ou deixa de ser relevante por outras razões.
Quando um parente ou amigo chega de surpresa para morar, ou mesmo para passar uma temporada, mudanças são inevitáveis. Essas mudanças exigem uma reestruturação, alteram o cotidiano e impactam o planejamento prévio. Há casos em que as mudanças ocorrem de comum acordo; em outros, de forma impositiva. Assim sendo, deve-se atentar para a frequência da alteração e para como ela afetará o todo, sempre assegurando as necessidades básicas de cada membro. Sair de sua cama para dormir no sofá é uma coisa — mas ficar sem lugar para dormir é outra.
Todo empresário sabe que não é à toa que foi cunhada a expressão “manicômio tributário” para definir a nossa realidade. O sistema tributário do Brasil é historicamente criticado e, obviamente, precisa ser alterado. Por mais que se acredite que a sociedade como um todo concorde que a realidade atual é inadequada, é preciso tomar cuidado para não criar problemas ainda piores do que os já existentes. Se, por um lado, busca-se justiça tributária e maior simplificação, por outro, é fundamental assegurar que o governo não tenha perda substancial de arrecadação, nem aumente a carga sobre o cidadão e o setor produtivo a ponto de limitar o investimento no país.
Durante a discussão e implantação de novas regras, sempre há a perspectiva de que determinados incentivos e desestímulos afetem algumas atividades. Mas surge a pergunta: “Será que vale a pena para o todo?” Independentemente de posições políticas e interesses pessoais, qualquer proposta de mudança na tributação existente deve ter como objetivo o bem comum. No entanto, se não for devidamente implantada, pode criar um ambiente ainda pior do que o atual.
Discussões sobre alíquotas e a criação de novos tributos (temporários ou não) têm sido realizadas visando situações imediatistas, e não a construção de um ambiente mais estável.
Tal como na situação da casa, nenhum setor relevante deve ser sacrificado a ponto de se tornar inviável. O que se buscou foi demonstrar como qualquer mudança — ao ser realizada, ou ao ser evitada — pode gerar mal-estar e levar a situações indesejáveis.
É óbvio que os exemplos apresentados são de naturezas bastante distintas. No primeiro caso, trata-se muito mais de um desconforto entre pessoas da mesma família; no segundo, temos uma possível percepção de injustiça social, que pode desencadear crises capazes de desestruturar uma sociedade.
A sociedade brasileira clama, acertadamente, por mudanças — mas toda mudança gera transtornos, e suas consequências muitas vezes são imprevisíveis.
*Oscar Lewandowski.
Atualmente é professor UFRJ/FACC Curso de C. Contábeis. Tendo já lecionado no IBMEC-RJ, UNIFESO e UFF, além de atuado no Mercado Financeiro. Formação como doutor pela FGV EBAPE-RJ, mestrado IBMEC-RJ e graduado como economista na UFRJ-FEA.