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Alguém ainda compra fiado?

Oscar Lewandowski
Economista e Professor Universitário

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Há alguns anos era comum ver placas nos botecos com a seguinte frase: “Não aceitamos fiado”.  Em um determinado bar havia os seguintes dizeres: “Se você bebe para esquecer, então pague antes de beber”. O conceito aqui assumido para fiado não pode ser confundido com o do empréstimo propriamente dito. Enquanto, o primeiro é para valores pequenos, mas acima de tudo para acertos de curto prazo; já a terminologia empréstimo é uma forma de adquirir bens ou recursos de médio ou longo prazo. Para alguns autores o fiado seria apenas uma forma de empréstimo de curto prazo feito na base da confiança a custo zero.

O fiado ocupou nas gerações anteriores uma forma de adquirir bens em mercearias, lojas de amigos, lanchonetes etc.; especialmente em cidades pequenas ou bairros fechados onde vendedor e comprador tinham uma relação direta. Era comum situações em que os comerciantes compartilhassem suas informações sobre os clientes que demoravam a pagar. A prática era comum e provavelmente as gerações mais novas nem conseguem entender o conceito da época, que possuía termos que estão em desuso como: “pendura” e “bota na conta”.

A modernidade alterou a conta do fiado para outras formas de empurrar a despesa para mais adiante; além da própria ampliação do mercado outros fatores, contribuíram para a mudança da relação com o cliente, como: advento da tecnologia, burocratização, proteções de imagem, oferta de fontes de captação. Cartões de crédito bancários e cheques pré-datados tiveram um papel importante; pois a bandeira do cartão ou a confiança no banco passaram a valer mais do que o histórico do cliente. A lista de maus pagadores que antes era do comerciante ou lojistas de determinada localidade, passou a ser a do banco. Muitos de nós ao pagar com cheque, esperávamos alguns minutos até o lojista ligar para o banco dar o firme para aceitar ou não determinado pagamento. Hoje, a conferência ocorre de forma tão imediata ao passar o cartão de crédito pela “máquina” com ou sem código, que não atinamos que é o mesmo processo.

A utilização de terceiros para garantir o pagamento, ou mesmo manter a lista de bons e maus pagadores tem custo; que em muitos casos valem a pena ao comerciante do que não aceitar apenas pagamentos à vista ou assumir o controle das contas postergadas. Mas estes custos tornam-se relevantes à medida que a escala aumenta, o que incentivou muitas empresas criarem seus próprios cartões de crédito (ou cartão do consumidor como alguns chamam) para seus clientes. Lojas de departamento, supermercados, postos de gasolina entre outros criaram bandeiras próprias ou aliaram-se a bandeiras de cartão de crédito como instrumento de tentar fidelizar os clientes e atraí-los as suas marcas.

Quando certos bancos ofereceram 10 dias sem juros para o cheque especial, alguns consumidores viram resolvidos seus problemas com despesas antes de receberem o próximo salário sem custos adicionais. Logo, a relação para com o banco seria semelhante ao do lojista histórico que proporciona o fiado. Enquanto um lojista diz: “O cliente que prefere fazer suas compras aqui, eu aceito que esteja numa lista para pagamento no final do mês ou em uma semana”; um banco pode justificar: “O correntista que tem um bom relacionamento histórico com o banco tem acesso a dez dias de juros zero até certo limite”.

O próprio PIX está revolucionando o comportamento de lojistas e consumidores; sabe-se que muito mais vem por aí em função do que a tecnologia permitir a criatividade do homem inventar novas forma para ganhar tempo e propiciar segurança e conforto. Quem sabe em breve, você não encosta a mão em um leitor de supermercado que está autorizado a descontar em folha até 20% do seu salário do próximo mês a custo zero. Será isto bom ou uma armadilha?

Vale a pena destacar que o conceito de fiado como uma forma de adiar o pagamento de compras a custo zero, nada tem a ver com o uso de cartões de crédito ou de cheque especial quando ocorre a cobrança de juros, especialmente no Brasil, onde são exorbitantes. Assim, somente nos casos em que não há juros ou alternativas de desconto para pagamento à vista, é que aqui denomina-se como uma forma moderna de fiado. Quando um lojista diz “à vista com cinco por cento de desconto ou no cartão ao preço da etiqueta”, na ótica do cliente o uso do cartão trata-se de uma alternativa de financiamento com custo.

Situações com cobrança de juros (declarados ou não) devem ser enquadrados como financiamentos ou empréstimos e não como fiado, onde a postergação é aparentemente para o comprador a “custo zero”. Ainda que o assunto juros não tenha sido o foco aqui; convêm ressaltar que os juros são compostos em parte por um prêmio pelo tempo decorrido e em parte por um prêmio pelo risco assumido. Portanto, especialmente em períodos de juros altos ou inflação alta, a postergação sem multas de despesas é uma forma de criar valor.

*Oscar Lewandowski.
Atualmente é professor UFRJ/FACC Curso de C. Contábeis. Tendo já lecionado no IBMEC-RJ, UNIFESO e UFF, além de atuado no Mercado Financeiro. Formação como doutor pela FGV EBAPE-RJ, mestrado IBMEC-RJ e graduado como economista na UFRJ-FEA.

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